O presente texto possui o caráter de análise a fim do leitor compreender, através de simbolismos, parte da história de uma obra francesa que discute temas relacionados ao convívio social. O roteiro servirá de base para vários contextos e conceitos cinematográficos que possam garantir maior conhecimento quanto a forma de se fazer e interpretar cinema, condicionando uma discussão e representação de ideias através de tal arte. Aqui será visto uma relação entre o patriarcado, a visão de uma mãe em tal sociedade, a desorientação de um homem enquanto pai, além de sexualidade, liberdade e desejo. Portanto, será apresentado parte da trama para que o leitor compreenda e se envolva com o cenário apreendido pela obra. Dessa maneira, acredita-se que entenderá o desenvolvimento de ideias e simbolismos através do contexto. Ademais, esse texto é um convite para que todos possam assistir ao filme e pensar nos temas citados, independente de minha opinião sobre. Afinal, o mais importante é sua própria relação com a obra, não minha conclusão.
A película Na Vertical trata a respeito de um homem em busca de inspiração para escrever o roteiro de seu próximo filme. Apesar de não sabermos muito quanto ao passado do protagonista, vemos as dificuldades que o mesmo possui em conseguir equilibrar seus desejos e trabalho, lado a lado com a paternidade. O protagonista, chamado Léo, é um homem sem rumo, literalmente sem lar ou dinheiro, que apesar de demonstrar uma certa desconstrução e compaixão, ainda peca quanto a forma em que age contra uma mulher, o que desenvolve toda sua perspectiva em torno do machismo intrínseco no âmago de si mesmo, assim como é percebido nos demais personagens. Sua forma de amar aparenta não ter limites, mas não é a pluralidade de seus desejos que o atrapalha, mas sim a falta de foco em compreender a diferença entre suas prioridades e preferências, sempre deixando seus desejos ultrapassarem suas responsabilidades com o próximo, fugindo sempre que possível. Não é de se estranhar, mais à frente, que tais atitudes sejam mais realistas ao se tratar da paternidade, discutindo a ausência de Léo, sua própria visão como homem e as consequências disso.
O roteiro trabalha o próprio título do filme de duas maneiras simbióticas; na representação visual, em que, por exemplo, o protagonista anda de costas ao horizonte, verticalmente ereto, em direção à câmera, e iniciando sua jornada, desencadeando em uma representação simbólica, no qual será necessário um desenvolvimento maior para compreensão da representação e significado de determinadas ações que vemos em tela.
Ao seguir da narrativa, Léo se encontra a caminhar sobre vastas planícies, pela França. Em um encontro repentino, conhece Marie, uma pastora, mãe de duas crianças e fazendeira, ao lado do pai, Jean-Louis. Marie vigia ovelhas para defendê-las de lobos, entretanto a mesma não deseja ser pastora por muito tempo, pois tal responsabilidade foi imposta por seu pai, não se tratando daquilo que ela gostaria de fazer. No entanto, aqui se encontra a parte fundamental da simbologia do filme, pois Marie é pastora e mãe, que defende seres inofensivos e os trata com dedicação, protegendo-os das dificuldades externas do mundo, no caso, note que essas dificuldades são representadas em paralelo com os lobos. Léo não vê a necessidade dos lobos serem mortos, demonstrando seu respeito, compaixão e empatia por todos os seres vivos, iniciando uma discussão com Marie sobre, simbolizando a forma como Léo vê os problemas da vida. Portanto, percebemos que Marie discorda de Léo e possui uma posição mais individual e protecionista, enquanto Léo busca uma visão mais perspectivista. E é a partir daqui que iremos compreender do que se trata a narrativa.
Ao longo da história, os dois se sentem atraídos e iniciam uma relação, porém Marie se vê grávida em poucas semanas, se tornando indisposta a lidar com os ataques dos lobos, buscando o desejo em ir embora com Léo e viver na cidade para cuidar dos filhos, mesmo sem conhecer o seu parceiro o suficiente, pois sua maior vontade era fugir da fazenda. Contudo, ao nascimento de sua nova prole, Marie desenvolve uma depressão pós-parto, rejeitando a presença da criança e não compreendendo a falta de comunicação de Léo, que some diversas vezes em busca de inspiração para a escrita de seu roteiro, nunca garantindo uma resposta quanto a se mudar com ela. Na presença do filho, Léo é o melhor pai que se pode imaginar, mas ao se afastar, acredita ser responsabilidade da mãe em cuidá-lo enquanto trata de seus desejos e objetivos, ignorando os próprios objetivos e perspectiva de Marie. A imagem que se cria de Léo é contraditória ao que foi apresentado anteriormente.
Mais uma vez, Marie se vê com uma imposição contra seus desejos, limitada pelas atitudes dos homens em sua volta, mesmo que ela própria não se abstenha de suas responsabilidades com seus primeiros filhos, estes que já tinha antes mesmo de conhecer Léo. Dito isso, Marie abandona Léo com seu terceiro filho, sem aviso prévio, destinando-o a compreender a vida com o peso da paternidade sem a presença da mãe. Léo não compreende tal atitude, pois acha que a maternidade é mais importante para o filho, ao menos segundo a perspectiva social que possui. Ademais, o mesmo não se alegra com a ideia de abrir mão da sua plena liberdade em detrimento de uma responsabilidade que o mesmo não desejava para si. Agora, Léo é quem está na posição de pastor (figurativamente), é ele quem deve entender a própria perspectiva do sexo oposto quando estava ausente. Porém, não há como cuidar de ovelhas e ser amigo dos lobos, pois os interesses são conflituosos. Logo, essa representação simbólica serve de base quanto às responsabilidades do protagonista com o mundo externo àquela relação com o filho, do qual Léo deseja vivenciar. Entretanto, criar um filho não era sua prioridade, desenvolvendo-se então seu conflito principal, entre o trabalho e desejo, contra a paternidade e responsabilidade.
Em seguida, é importante destacar como os planos cinematográficos realizados neste filme caracterizam a representação visual em paralelo com a simbologia. Essa película possui diversas cenas de sexo explícitas, mas com um poder narrativo sem igual. Os planos enquadrados explicitamente no órgão genital de Marie indicam uma rima visual e processual. Em três cenas, vemos o órgão sexual da personagem em destaque, mas sempre em uma situação diferente, em um mesmo plano, ou seja, em uma mesma posição. Logo, através deste plano específico, mas em cenas diferentes, vemos o ato sexual, o descobrimento da gravidez e o próprio parto da criança, tudo operado de forma pragmática e pensada para a transição da responsabilidade de Marie para Léo, pois o mesmo plano volta novamente, mas o foco, dessa vez, é o órgão genital de Léo, sendo estimulado por Marie. Portanto, a rima visual e simbólica, através dos planos apresentados, pode ser interpretado como um indício de quem será o responsável pela criança a partir de agora.
A ausência de Marie começa a desencadear diversos problemas, Léo não consegue trabalhar e Jean-Louis não cuida da fazenda apropriadamente. Os problemas externos começam a invadir todos os espaços, seja com os lobos atacando ovelhas ou a falta de faxina, que demonstra como os homens, em sua maioria, não tomam a atitude de manter as coisas organizadas, pois em seu ponto de vista, tal ato é de origem feminina e seria preciso uma mulher para tal. Essa questão, inclusive, é revista e discutida em outro momento específico, reforçando a nova visão e perspectiva que Léo obtém ao estar na posição de Marie, compreendendo ainda mais as dificuldades que a mesma passava.
Em certos momentos, pode-se indagar quanto ao que nos foi apresentado em relação à sexualidade dos demais personagens, principalmente o protagonista. Há aquilo que nos é apresentado em tela, assim como aquilo que é dito expressamente em diálogos. Entretanto, as decisões do roteiro nos apresentam indícios de como alguns personagens se relacionam apenas por olhares ou fisicalidade, demonstrando o interesse daqueles que observamos sem deixar inicialmente claro, mas sim, suposto. Logo, a nossa capacidade de compreender as personagens e a dificuldade de construir suas personalidades, ou arquétipos, não evidenciam de imediato quais são as possíveis atitudes que elas possam vir a tomar dentro da história.
Por exemplo, no primeiro ato (Introdução), nunca ouvimos uma só palavra expressa pelo pai de Marie, ainda mais quando o mesmo está a conversar com o protagonista, sempre com a fotografia enquadrando-os à distância. Ademais, nos é apresentado uma cena específica em que Marie os observa de longe. A princípio, pensa-se que a mulher está sendo deixada de lado em uma discussão privada de homens, como uma ferramenta narrativa a exemplificar o machismo cada vez mais exposto no roteiro, inclusive pela falta de diálogo constante de Léo com sua namorada ao longo da história. Entretanto, o público também está sendo deixado de lado, sem saber qual o conteúdo da conversa entre Jean-Louis e Léo. Dessa maneira, a ideia inicial e representativa do machismo se mantém, mas essa mesma cena possui outro significado à medida que compreendemos os interesses desses dois homens em específico, inclusive seus interesses sexuais entre sogro e genro, criando então um duplo sentido e uma manipulação audiovisual que imprime mais uma vez a maestria da diretora de fotografia, Claire Mathon.
Ora, quando um personagem muda de expressão e age com impulsos cada vez mais fortes e desejantes, mas que, não aparentava ser de tal maneira anteriormente, nos faz questionar em que ponto houve um indício de tal particularidade encontrada ao fim do segundo ato (Desenvolvimento). Ao investigar certas decisões narrativas, percebe-se como fomos manipulados a ver uma coisa, enquanto se construía outra. Fora que, a construção vívida dos personagens e o mistério em volta de quem são, e quais seus desejos (principalmente sexuais), são parte fundamental para instigar nossa vontade em compreender a complexidade de figuras tão reais.
O terceiro ato (Conclusão) possui um sentido maior quando percebemos todas as dificuldades que o protagonista passa para compreender os seus próprios passos como pai, aceitando suas novas responsabilidades em vista de seus desejos mais inquietantes, ajudando Jean-Louis com a fazenda e se tornando o mais novo pastor (dessa vez, literalmente), abandonando sua antiga vida de andarilho e roteirista, simbolizando o abandono do seu antigo eu e de sua maneira de agir. Não que sua antiga vida não fosse correta, mas não coube às responsabilidades de alguém que escolheu ser pai.
Enfim, as personagens não buscam um apoio religioso ou moral, o filme apenas identifica os problemas patriarcais presentes na sociedade contemporânea, assim como os problemas causados pelo próprio protagonista devido a forma que é ou foi criado para ser e pensar, apontando suas irresponsabilidades sem renunciar suas individualidades. Inclusive, é possível pensar que o antagonista da história é o próprio protagonista, devido à sua luta interna entre o que deseja e o que precisa fazer, sendo ele mesmo os obstáculos da narrativa, o que o torna extremamente identificável. Dito isso, a representação simbólica (final) de Léo, ao estar cercado de lobos com um filhote de ovelha em mãos (representando seu filho), em meio às planícies, se torna mais literal, pois todos os problemas externos tentam, cada vez mais, lhe tirar suas responsabilidades que o mesmo evoluiu para manter e compreender, seja como pastor ou pai, a fim de aprender a ser melhor, a ter uma nova perspectiva, caótica, porém responsável e desconstruída. Como dito anteriormente, as personagens não buscam apoio religioso ou moral, mas apenas apoio neles mesmos, o que me fez lembrar, mesmo que superficialmente, ao conceito de Übermensch (além homem ou super homem), de Nietzsche. A mensagem final deixa isso claro, pois em face aos lobos e com o peso da responsabilidade, não se deve demonstrar medo e fugir, seja você quem for, é necessário se manter forte, sem se curvar, sustentando sua própria existência com firmeza, ereto, na vertical.
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