top of page
Buscar
Foto do escritorPET Paideia

A irreverência cinematográfica de ‘A Criada’.

Atualizado: 26 de mai. de 2022

A Criada é um longa-metragem sul-coreano lançado em 2016, dirigido por Park Chan-Wook e escrito por Chung SeoKyung. O filme é uma adaptação do romance galês Fingersmith, um romance lésbico histórico escrito por Sarah Waters, que se se passa na era vitoriana britânica. Seguindo tal inspiração, a adaptação se passa na Coréia do Sul de 1930, um território devastado pela guerra nipo-coreana, que teve seu início em 1910. A ocupação japonesa em território coreano foi devastadora, repleta de escravidão e marcada pela prostituição forçada de mulheres e crianças. As sequelas de tal período podem ser vistas até a atualidade na relação entre ambos países, o que também é abordado pelo longa-metragem de forma sutil, porém pertinente. O filme é dotado de um erotismo crítico sem igual, assim como explora os plot-twists por intermédio de um método pouco visto em películas ocidentais.

Primeiramente, Seokhee (Kim TaeRi), a “heroína”, é apresentada em sua forma original: uma ladra, ou melhor, uma batedora de carteiras. Seokhee é convidada a trabalhar para Lady Hideko (Kim MinHee), herdeira da vasta fortuna da família e dona de uma beleza fora do comum; Hideko também é sobrinha de Kouzuki (Chon JinWoong), um colecionador de artes eróticas e um “coreano tornado japonês”, por assim dizer. Sendo criada pelo tio desde pequena, Hideko foi privada de experienciar o mundo para que pudesse ser a esposa perfeita, no aguardo silencioso de ser proposta em casamento por alguém que seu tio aprovasse, uma vez que a intenção de Kouzuki sempre foi herdar a fortuna para si, o que fica claro desde as cenas iniciais envolvendo a relação familiar entre ele e Hideko. Mais profundo e sombrio que isso, Kouzuki também treinou a sobrinha para leituras eróticas de sua amada coleção, tais leituras sendo feitas em encontros pontuais, com espectadores riquíssimos, desde que Hideko podia se lembrar. A exploração da fetichização em tais cenas arremete sutilmente ao que foi feito à população feminina coreana, muitas vezes antes da idade apropriada, na ocupação japonesa; os japoneses do filme são retratados em um viés muito depravado, ganancioso e não-empático, por meio da figura de Kouzuki, que renega suas origens coreanas sempre que possível, a partir da romantização falaciosa da cultura japonesa, ao ponto de se mesclar como um “deles”.

Em contrapartida, o vigarista Fujiwara vê nessa falha familiar, e na falha de caráter de Kouzuki, que se planeja casar com a própria sobrinha para herdar a fortuna, uma chance. Ele contrata nossa heroína Seokhee para ajudar em seu plano, convencendo-a a trabalhar como criada para Hideko, podendo assim influenciar a inocente jovem a aceitar suas investidas quando fosse o momento oportuno. A partir deste ponto, a trama se desdobra de várias formas inesperadas, causando no espectador o sentimento exato de: uau!

O diretor Park se teve perfeitamente às divisões do livro, que separam a história em três partes principais, como atos em um teatro, cada parte sendo contada do ponto de vista de uma das protagonistas, até o que o terceiro ato é feito em terceira pessoa; tal formato realmente deixa a sensação de se estar assistindo uma peça elaborada, não um filme. Cada segmento apresenta novas perspectivas para os fatos, tornando a sequência de plot-twists genial, ao invés de maçante. É apenas no final do terceiro ato que compreendemos a história em seus detalhes e minúcias, o “ponto de vista” das personagens sendo utilizado perfeitamente para confundir a audiência sobre os acontecimentos, e até mesmo sobre a índole das personagens envolvidas. O ritmo do filme é de agonia pura, sempre marcando uma expectativa crescente, capaz de fazer até mesmo o mais desatento dos públicos suar frio pelo mistério envolvente, apesar do ritmo vagaroso do filme até seu segundo ato, pensado justamente para que o cenário atípico também seja processado por qualquer tipo de audiência, inclusive a aquém do conflito nipo-coreano.

Pak Chan-Wook é conhecido por seu humor irreverente, crítico, uma ironia muito bem colocada. Tais traços podem ser observados na cinematografia de ambientação do filme, que permite que existam cenas de tirar o fôlego, como pinturas, coexistindo com elementos como os das casas japonesas, sendo estas inspiradas na arquitetura europeia de forma quase esdrúxula, como parte do deboche ferrenho que se arrasta durante todo o filme: pessoas ricas podem fazer o que bem quiserem devido ao poder aquisitivo, mas isso não as isenta de muitas coisas, inclusive, de um péssimo gosto para decoração. O clube literário clandestino também é uma crítica amarga para a aristocracia, o tédio dos homens ricos sendo sempre marcado pelo sofrimento da classe inferior, mesmo durante seus “hobbies” mais particulares e nojentos; outra marca importante é que Hideko é tratada como inferior mesmo sendo a herdeira de toda a fortuna, sua capacidade sendo sempre reduzida à uma ‘noiva troféu’.

Com aspectos de comédia, romance, suspense e resolução de crimes, A Criada é o filme perfeito para começar com o pé direito na jornada do cinema oriental, sua história de libertação significativa sendo capaz de causar em sua audiência sensações muito particulares, que não são tão exploradas por diretores ocidentais.



41 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page