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Foto do escritorPET Paideia

Frances Ha e a Angústia

Atualizado: 7 de dez. de 2022

Este é um breve ensaio sobre alguns aspectos e impressões sobre o filme Frances Ha (2013), dirigido por Noah Baumbach, com a fotografia toda em preto e branco, que transmite uma certa melancolia e nostalgia. O enredo é a vida de Frances Halladay (Greta Gerwin) e pequenas e grandes mudanças em seu cotidiano, uma história sobre o crescimento, isto é, o quanto se tornar adulto está vinculado ao sentimento de angústia. Porém, mais do que esse sentimento de estar à deriva o roteiro traz uma perspectiva animadora sobre a existência, no tocante de cultivo dos sonhos em meio às frustrações.

Inicialmente, Frances divide um apartamento com sua melhor amiga Sophie (Mickey Sumner), com quem compartilha sonhos, cigarros, bebidas e diverge sobre regras, mas às aceita. A relação entre elas é de suporte emocional, como proposto pela própria Frances “Somos um casal de lésbicas que não transam mais”, as imagens mostram certa harmonia entre as vontades das personagens, que fazem leituras, sorriem, fumam na janela e dormem juntas. Contrariamente, Frances não se harmoniza com as opiniões e vontades de seu namorado, que pretende dividir uma casa com ela e ter gatos, há então um rompimento entre eles, justificado com o contrato da moradia que ela pretende renovar com Sophie.

As pretensões de Frances são bastante sonhadoras, ela pensa em se tornar dançarina do elenco principal em uma academia de dança e continuar dividindo apartamento com Sophie. Entretanto, a personagem é abalada por uma mudança de perspectiva da amiga que decide não renovar o contrato e se mudar para um bairro que Frances não consegue pagar. Além disso, Sophie namora com Patch, relacionamento que sua amiga tem certa repulsa, por não ter proximidade com ele.

De certa forma, tudo que indica ter uma vida média e comum, traz certa angústia à personagem principal, como alguém que se nega crescer, compreende que há um abismo a contemplar e tenta fugir de diversos modos, como imaginando uma vida com várias metas inalcançáveis, como se fosse simples realizar. As condições financeiras de Frances são conturbadas, mesmo sem estabilidade, Frances baseia sua existência em uma gama de invenções que servem para amenizar suas dificuldades.

Sem local para morar Frances sai com um amigo Lev e termina a noite em seu apartamento que divide com Benji e outra pessoa que em breve desocupará um quarto. Nesta noite, ela se diverte bastante, se sente recepcionada, além de receber elogios ao fazer alguns passos de dança. Por fim, Sophie decide se mudar para o quarto que ficará vago, entretanto, ela só poderá pagar o valor se conseguir uma vaga para um espetáculo de Natal na academia de dança onde ensaia.

De início, Frances se identifica com Benji e Lev que adoram arte e querem seguir carreiras demasiado sonhadoras, porém, percebe que a situação financeira deles se difere drasticamente da dela. Enquanto eles são vistos como pessoas que se aventuram em busca de experiências divertidas e inspiração, ela é vista como imatura. Apesar disso, Benji e Frances se dão muito bem, pois se ajudam em noites conturbadas e se entretem com sátiras sobre serem “inamoráveis”, pois nenhum dos dois se relacionam romanticamente com as pessoas por muito tempo. Diferentemente de Benji Lev não se importa com as condições financeiras de Frances e mais uma vez necessita se mudar.

Frances decide pedir auxílio a uma de suas colegas da academia de dança, então, e vai morar temporariamente com ela, até obter uma resposta de Colleem, dona da academia sobre o espetáculo de Natal. É notável que Frances tenta suprimir a falta de Sophie, com quem não conversa a um tempo por desentendimentos, com gestos e brincadeiras que tinha com a amiga, projetando o afeto nesses outros contatos, mas ninguém parece compreendê-la tão bem quanto Sophie. Podemos interpretar essa projeção como uma tentativa de fugir das mudanças de seu cotidiano, uma forma de se afastar do enfrentamento de seus maiores medos.

Em algumas cenas mostra a visita de Frances à casa de seus pais, apesar de parecer feliz festejando junto a eles, há uma cena em que ela se demora dentro da banheira que faz-nos refletir sobre o pensamento de suicídio. Apesar disso, Frances se levanta e volta a encarar sua realidade inconstante e seus problemas. A personagem em meio aos percalços não desiste de viver, apesar de frustrada, continua seu caminho, mas ainda criando algo em que se apoiar, seus sonhos juvenis são suas muletas para permanecer existindo.

Frances, idealiza sobre diversos aspectos da vida, como a questão de ser “inamorável”, há um diálogo em que ela afirma que tem uma idealização do amor. Para ela, amar seria uma troca de olhares ao longe onde ambas as pessoas, em que não é necessário dizer que ama, pois os envolvidos estariam ocupados se divertindo ou dialogando com outras pessoas, mas o amor estaria ali, naquela troca de olhares.

A instabilidade de Frances tanto no campo de suas relações como profissionais, mostra sua dificuldade em encontrar um local para se construir sem perder seus ideais joviais, mas sua péssima condição financeira a impede de conquistar algo. Suas dificuldades são conscientes, entretanto, sempre que se socializa com outras pessoas, ela tem o hábito de tentar se equiparar. Como em uma noite jantando com amigos, ao ouvir todos partilharem sobre viagens na Europa, ela decide ir à Paris, principalmente depois de descobrir que Sophie se mudará para o Japão e não a informou. Se endividando, Frances vai para Paris e não consegue aproveitar em nada em sua estadia.

Em seu retorno, recebe a proposta de ser secretária de Colleem na academia, mas rejeita, visto que o seu desejo era participar do espetáculo de Natal. Sem dinheiro, Frances volta a morar no dormitório da faculdade. Endividada e sem emprego, ela começa a realizar vários bicos em eventos beneficentes da faculdade.

Em toda essa trajetória, faço um paralelo com o pensamento do filósofo Albert Camus, isto porque, a evolução da personagem passa pelo sentimento e pela noção do absurdo da vida, fazendo-a um tipo de Sísifo feliz. Inicialmente, pela angústia frente a realidade e posteriormente com as decisões de continuar mesmo com a consciência de que o absurdo não se dissipa com a esperança. Há um jogo contínuo, Frances, assim como os conceitos de Camus, entende que as falhas, obstáculos e dificuldades continuarão e ainda assim, decide ultrapassar o sentimento de suicídio. Ama a vida, mesmo que o mundo seja ingrato, pois os planos falham com as expectativas.


"O sentimento do absurdo não é a mesma coisa que a noção do absurdo. Ele lhe serve de base e pronto, é tudo. Também não se resume a isso, a não ser no rápido instante em que traz consigo sua decisão sobre o universo. [...] Dizer que é uma atmosfera assassina não é mais que brincar com as palavras. Viver sob esse céu sufocante exige que ou se saia ou se continue. [...] Defino assim o problema do suicídio e o interesse que se pode aplicar às conclusões da filosofia existencial." (CAMUS, 2004, p. 25)


Com todos os motivos para desistir de viver ou ao menos permanecer em estado de prostração, Frances não abandona a criação de sentidos para a própria vida. Apesar de parecer a personagem mais imatura do filme, ela é a única com coragem o suficiente em admitir que está perdida, enquanto as outras pessoas se escondem e se desvencilham do absurdo através de papeis sociais definidos previamente. Frances, em um de seus trabalhos temporários, encontra Sophie por acaso, que estava de passagem e nesse encontro, se mostra insatisfeita com Patch, seu estabelecimento no Japão e toda a construção de felicidade que mostrava em abandonar seus objetivos para viver junto ao companheiro. Apesar de dizer sobre os desejos em abandonar essa vida, sua angústia é suprimida, pois ela decide continuar neste estado, ao invés de questionar a existência tal qual Frances.

Como Sísifo ao enganar por diversas vezes os deuses para permanecer vivo, Frances não teme as consequências de sua busca incessante em se descobrir. A personagem não tem medo de parecer fracassada, apesar das vezes em que tenta se encaixar, as falhas são sua incessante tentativa. Frances tem uma visão da vida como uma dança espontânea, onde pode haver ensaios, mas há espaço para a fluidez e imperfeições.

A própria trilha sonora contribui para essa relação entre a filosofia de Camus e Frances, em uma das cenas, ela dança ao andar na rua ao som de Modern Love de David Bowie, música que fala sobre o amor moderno ser a nova religião, mas que nem deus nem os homens acreditam nele. A letra demonstra certa descrença da modernidade quanto aos sentidos da existência, porém o sujeito da música afirma que continua tentando apesar de não haver grandes mudanças em sua vida. Não diz adeus às esperanças por mais desesperadoras que sejam os acontecimentos na vida, enfrenta as pancadas do entregador de jornais, a chuva e continua.

Após o embate com as frustrações de Sophie, Frances parece reestabelecer suas forças para decidir. Logo, ela aceita o emprego como secretária de Colleem, anteriormente rejeitado, não como conformismo. Frances agora enxerga a possibilidade de estar dentro da academia, poder continuar ensaiando, embora em outra profissão. Aos poucos, Frances conquista sonhos que antes não almejava, se torna coreógrafa em uma criação própria. Seu espetáculo, propositalmente, tem movimentos falhos, as imperfeições de sua própria vida são exaltadas na dança de sua autoria. E ao receber as parabenizações de conhecidos, admiradores e amigos em sua estreia, Frances troca olhares com Sophie ao longe, como o amor ideal que almejava. Assim, as conquistas da personagem carregam o peso do absurdo, mas uma alegria do inesperado, de um Sísifo alegre, que carrega sua rocha e deseja continuar, ainda que seja um trabalho árduo e sem recompensas.


"O homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. Se há um destino pessoal, não há nenhuma destinação superior [...] Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa sequência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele [...] Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta rochedos. [...] Esse universo doravante sem senhor não lhe parece estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar um Sísifo feliz." (CAMUS, 2004, p. 87-88)

Concluo então, que Frances Halladay pode ser considerada uma mulher do absurdo, pois não aceita qualquer destino que não tenha sido criado por ela mesma, suas definições não são prescritas pela sociedade ou pelo modo que seus próximos entendem como sucesso. Seu caminho, para alguns pode parecer uma perda de tempo, ou infantilidade por não desejar se inserir no comum, mas suas determinações a levam para realizações autônomas e autênticas. O filme se encerra em uma cena em que Frances coloca seu nome na caixa de correio de seu novo apartamento, tendo que dobrá-lo para adaptar-se à moldura há uma abreviação Frances Ha, título da obra, assim como, seu próprio nome não cabe por inteiro no molde Frances transborda e não acomoda-se ao comum.


 

Referências


BOWIE, D. Modern Love. Londres: EMI, America – EA158, 1982. (3min56)


CAMUS, A. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.


FRANCES HA. Direção: Noah Baumbach. Estados Unidos: RT Features, Pine District, Pictures, Scott Rudin Productions, 2013.


 


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